segunda-feira, 19 de maio de 2008

MANTRA

s OM os
s UM us.
E em nós,
húmus
nus,
a poesia do cosmo
faz-se em luz.


sobre a obra
o homem e o universo, num abraço cósmico, num poema de múltiplas leituras.

terça-feira, 13 de maio de 2008

O PASSADO NÃO PASSA

Hoje acordei meio down, deixando as memórias afluírem em mim como geisers lá do fundo da alma, lá dos cantos recônditos do coração. Estive pensando, engraçado como o passado não passa, ele é como um rio circular, cujas águas correm, ciclicamente, ora em redemoinhos, ora em calmarias, refluindo todas para os mesmos lugares: as nossas vidas.

Sim, esta imagem do rio circular não me sai da cabeça, yin e yang, a cobra mordendo o próprio rabo, o oito do infinito, tudo, tudo, refluindo, voltando, tudo armazenado em nosso cérebro, este computador poderoso de não sei quantos milhões de gigabytes.

É, a memória é mesmo essa arma poderosa, e as lembranças e saudades são sua expressão mais bela...Falando assim , vou deixando fluir o meu rio interior, lembrando-me de tantos fatos, mas principalmente da vida ao lado do meu pai, Antônio de Abreu Lima, que já se foi há quase dez anos... Dez anos que parece não passaram, são as eternas ondas, as eternas águas do rio... uma vez escrevi um poema onde eu dizia:

Minha memória é um rio
De onde fluem as lembranças
E as emoções
É o porto onde me aporto
É o laço onde me aperto
É o leito onde desperto
Das minhas indagações.

Meu pai era uma figura ímpar, de um beleza interior rara. Para ele, não havia problemas que não pudessem ser resolvidos, não havia pobre ou rico nem preocupação com aparências. Ele cuidava de todos e atendia a todos da mesma maneira, a todos dava sua atenção, contava seus casos de mineiro, dedicava seus dedos de prosa e cantava suas marchinhas que ele adorava compor e cantar, a todo momento, quando encontrava audiência disposta a ouvi-lo.

Ele era um poeta, desses que viam poesia em tudo, para quem a vida era uma festa constante e que valia a pena viver a cada segundo. Lembro-me de quando eu era pequeno, e ele me contava estórias engraçadas, de festas a que ia na roça, e que na volta vinha trazendo docinhos e comes e bebes para nós, crianças que havíamos ficado em casa, mas que foi atacado por uma onça, na trilha, ou por uma cobra, quando atravessava uma ponte, e que as guloseimas caíram e que nós ficamos na saudade.

Lembro-me ainda de momentos mais distantes, quando ele cantava para mim, que ainda era pequeno, canções de ninar que ficaram na minha memória e que não esquecerei jamais. Havia uma que dizia assim “ O porquim chinês, o porquim ladrão, o porquim dourado foi-se embora pro sertão”. Outra, cantava “ Balão custa dinheiro, dinheiro custa ganhar, arreda papai, arreda mamãe, deixa o meu balão passar”.

E passaram-se os anos, e a gente cresceu. Colégio, depois o primeiro emprego, e a saída de casa, para morar na capital. Meu pai, sempre cuidadoso, sempre zeloso. Quando eu voltava a vê-lo, semana sim, semana não, ele sempre me esperava no ponto de ônibus, na chegada, sempre me levava ao ponto, na despedia. E era um carinho assim inusitado.

A gente foi crescendo, a vida passando, faculdade, idade madura, namorada, casamento, filhos, para o meu pai eu era sempre o seu menino. E ele adorava me elogiar com seus companheiros, contava do filho trabalhando em Brasília, num bom emprego. E adorava a Terezinha, minha esposa, e ainda brincava com ela, dizendo-lhe que quando ela havia nascido, a mãe dela Dona Rita e ele haviam combinado que nós dois, os filhos, estávamos destinados um para o outro, e que nos casaríamos um dia. E dizia para ela: Você é minha nora favorita.

Eu tinha com meu pai uma simbiose perfeita, uma comunicação não verbal, de alma, pois eu sempre gostei de meditar, de divagar, de escrever, de poetar, desde lá dos finais dos anos 60. Sempre adorei música, e meu pai era ligado também na poesia e na música, mas de uma forma muito popular, nada sofisticado nem erudito. E nós juntávamos nossas vozes, diversas vezes, e cantávamos juntos, e eu gravava cassetes em que ele e eu interpretávamos músicas de serestas, como “Elvira escuta”, “ É a ti flor do céu”. Com ele, aprendi um monte de músicas antigas, Carlos Galhardo, Dilermando Reis, Vicente Celestino, e outros mais.

Sempre quando eu ia a Alvinópolis, sentava-me e cantava com ele e meu tio Francisquinho, que era nosso vizinho. Como era bom a gente junto ali, cantando, contando casos... Ah, se o passado não passasse! Porém, o tempo vai passando e a gente nem percebe, ou nem tempo para reparar na sua passagem.

Meu pai foi ficando mais velho, meus filhos já estavam crescidos, e de repente ele começou a fraquejar. Depois de uma cirurgia de catarata, quando teve que tomar vários remédios para não ocorrer infecção, começou a reclamar de vários problemas. E começou ali o seu definhar, o seu murchar. Tonteiras, às vezes tombos, e já aquele ar desligado de quem aos poucos vai penetrando outras esferas, buscando talvez se acostumar com a idéia da partida.

Lembro-me até hoje da última vez que o encontrei com vida. Foi num julho, de 1998, quando fui visitá-lo, nas férias. Passei alguns dias lá, e no dia que vim-me embora ele foi, como de costume , levar-me ao ponto de ônibus. Estava feliz, mas senti nele aquele estranhamento, aquele olhar já perdido no infinito. E viajei preocupado. Engraçado que foi naqueles dias que tirei as últimas fotografias dele em vida. Não me esqueço nunca de vê-lo em frente ao espelho, arrumando o cabelo, ajeitando o bigode, e acertando o chapéu, para que a foto saísse legal. Tirei diversas fotografias dele, mas uma delas, daquele dia, acompanha-me até hoje, ele com seu indefectível chapéu, de perfil, foto que ampliei e coloquei em seu túmulo, grande, colorida, como grande e colorido ele foi em vida.

Meu pai morreu num dia de agosto, mês de triste fama, que para mim tornou-se mais triste ainda. Morreu no dia 4, e com ele enterrei minhas lembranças de infância, minha alegria de juventude. Para ele compus marchinhas, semelhantes àquelas que ele compunha enquanto estava vivo, cantei com ele diversas marchinhas, até fui co-autor em algumas. Compus poemas, buscando aplacar a dor que senti com a sua morte, dia em que chorei e sequei rios de lágrimas.

Realmente, meu pai partiu e levou consigo muito muito de mim. Vê-lo em cima de uma mesa fria de hospital, abraçá-lo, sentir a rigidez de seu corpo e a opacidade de seus olhos foi uma dor inominável para mim. Mas um duro aprendizado, de que a morte chega e não há o que fazer, a não ser aceitá-la e tocar a vida em frente.

Meu pai morreu já há quase 10 anos. Mas nunca me afastei dele; em verdade, nem ele se afastou de mim. Sonhos, foram diversos, de todas as naturezas. Sonhei com ele coisas quase difíceis de explicar como se fossem visões, em que me contava da vida do outro lado, sonhei com ele entre jardins, entre flores, também em situações mais complexas, mas sempre sua presença é uma constante em minha vida.

Hoje, eu sei que o passado não passa e é como um rio de águas circulares e concêntricas. As ondas vão se ampliando, se reproduzindo, mas cada uma sobrevive á outra e se justapõe, se sobrepõe.

Nos meus momentos de dificuldades, de inquietudes, de sofrimentos, mesmo de indecisões, estou sempre a recorrer à sua memória, à sua alma, pedindo discernimento e ajuda. E é um fato incomum, eu acho, sempre me vêem as respostas, as soluções, as ajudas, nunca fico sem respostas quando recorro à sua intercessão.

Meu pai e eu sempre tivemos essa simbiose, este partilhamento, esta intimidade. E a morte dele não interrompeu esta história, apenas colocou-nos em dois níveis diferentes.

...É, o o passado não passa, apenas as ondas se justapõem, se contrapõem, se sobrepõem. Mas jamais extinguir-se-ão, como jamais extinguir-se-á o amor verdadeiro, baseado na intimidade, na afinidade e no compartilhamento de duas vidas.

Brasília, 13/05/2008

Um texto em homenagem ao meu pai, ANTÔNIO DE ABREU LIMA, nascido em 1914 e morto em agosto de 1998, em Alvinópolis-MG, e que me deixou exemplos de vida singulares e lembranças inesquecíveis.

EM SILÊNCIO

Meu silêncio é minha estrada,
minha reta, minha meta,
meu discurso, meu percurso
nas névoas da madrugada.

E madrugando, caminho,
entre urzes,luz, espinhos,
urdindo a inspiração:

No lusco-fusco da tarde
sem barulho, sem alarde,
meu poema , como mar de
sargaços ou sempre-vivas
instala-se em meu coração.

E na mansa madrugada
prenhe de sonhos e promessas
nessas horas de desvelo
em que se enroscam os amantes
como fios de novelo
o poema agarra-se a mim:

enrosca-se, encosta-se,
e em resposta
recebe o meu breve sim.

13/05/2008

Poema sobre o verso:

Meu silêncio é estrela-guia
Quer cada verso inquieto
Quer ter o amor por perto
O olhar de sabre que fita

do poema " O silêncio" de
Nina Araújo.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

O QUE SERIA?

O que seria das noites
sem seu cortejo de estrelas
sem os cantares dos grilos
e as luzes dos vagalumes
a iluminar seu negrume?

O que seria das manhãs
sem as orquestras de galos
anunciando as auroras
e tecendo cores novas
como tramas de arco-íris?

O que seria das tardes
sem alardes
sem os cantos das cigarras
sem crianças, sem barulhos
e arrulhos de pombos?

E o que seria dos homens
sem a lira, o delírio
e os lírios do poema?

Seriam todos mais tristes
todos tigres enjaulados
presos aos vãos
desvãos da miséria humana:
a poesia é que nos redime
desta sorte insana.

sobre a obra
Poema em homenagem ao poeta João Cabral de Melo Neto, inspirado no poema "Tecendo a manhã".

quinta-feira, 8 de maio de 2008

SAUVAGE

Inconsúteis teias tecemos
ao redor do inconsciente
como aranhas artesãs
antecipando as presas
das manhãs.

Não sabemos,porém,
quando surgirá a fera
que ruge
vomitando
ameaças e mordaças
sobre pássaros indefesos.

Às vezes, os pássaros
é que se transmutam em feras:
ver um bando de garças
a destroçar com os bicos
restos mortais
de pardais
dói, mas devolve-nos
dos píncaros
aos precipícios.

A inocência lírica da criança
brincando indefesa
brindando-nos com a beleza
de olhos de luz:
De repente, o pus.
o mal, o horrível
que se verte pela boca,
que escoa, que voa,
como agourentas aves
buscando rapinagens
inimagináveis
entre destroços.

Os líricos lírios
de alvura transcendental
crescem, viçam,
sobre o pântano fétido,
sobre o lodaçal.

E o bom selvagem?
Onde anda o bom selvagem
a imagem miragem de Rousseau?

IMPONDERÁVEL

O fio tênue que desfia a vida
e nos mantém aprisionados
como bêbados bailarinos
buscando o equilíbrio
no imponderável
é que nos cinge ao imaginário
cenário real.

O aço frio das noites
adagas impiedosas
cortam a carne:
hélices
ensandecidas.

O fogo dos verões
ferros em brasa
queima a pele solitária
sem anestesia.

Os barcos já se foram
ou sequer saíram
do cais.
A música já é finita
infinito é o desejo
de voltar atrás.

Mas, não há voltar atrás:
A vida segue, como o rio,
sinuosa , como arremedo
de réptil.

Amar é o remédio.
Que remédio?
Entre o salto e o mergulho
Entre o tiro e o alvo
Entre o vôo e o pouso
Pulsam as possibilidades.

Tua mala está aí. Toma-a
e parte rumo ao sonho
que inda é possível sonhar.

terça-feira, 6 de maio de 2008

PORTO

Onde aportei meu corpo
não havia porto
definitivo
e os ventos sopravam do alto mar
seus segredos incontáveis.

Meu corpo à deriva,
qual barco
me acolheria?
Minha alma a vagar
em ondas, onde anda
meu pensar?

Este porto em que me aporto,
esta porta em que me adentro,
este perto que é tão longe:
cisma a alma, sobre as águas
que em torvelinhos vão:

O mar é grande,
grande é o mundo,
enorme é meu coração.

Poema sobre verso do poema " Apoteosicidades"
André Teixeira · Aracaju (SE

segunda-feira, 5 de maio de 2008

AZUL ( sobre poema "No meio do caminho uma flor de lótus...) de Raiblue

Radioativo, meu espírito irradia azul
Desmancha céus de estanho
Nos castanhos olhos nus da madrugada”
RaiBlue



Meu espírito, perdido na imensidão
de um espaço blue,
vagueia, vagabundo, pelas madrugadas,
buscando o blues antigo, aquele blues
girando como ciranda, billie holiday
blue gardenia
que nos eleva, enleva-nos e nos leva
de volta ao caminho de Santiago
ao sagrado segredo
da diáfana e transparente
flor de lótus
A transmutar nossos chacras
em pura energia azul.

Azul, azul, translúcido azul
a nos trazer de volta
ao ventre do universo
ao tépido calor do verso
Que inda éramos,
antes de nascer.
azul luz azul, nirvanas prometidos
Paraísos visitados,
nas asas dos poetas,
viagens astrais:
eia, vamos pois, navegar nas águas
puras e serenas
Dos poetas viscerais
seminais.

Eia, vamos pois,
desmanchar os céus
de estanho,
de estranhos chamados
que não são para nós:
vamos lançar bombas de versos
sobre os céus de chumbo,
sobre os céus escuros
e seus significados obscuros.
Vamos rabiscar,
com o azul do lápis-lazúli
em nossos cadernos de estórias
de memórias.

Vamos lançar chuvas azuis
a reverter chuvas ácidas
de corações duros
e empedernidos
que não ousam ser.

Eia, vamos lá, converter
estes estranhos céus de estanho
em castanhos e perfumados
olhos nus da madrugada
entranhas da madrugada,
e vamos, ornados de flores de lótus
e de gardênias azuis
deixar o blues correr solto,
Sofrido, lírico,
trazendo-nos sensações de deja-vu:
Blue, blue, blues
Transforma todo o cinza
Em luz!!


Danilo de Abreu lima- Brasília, 31 de março de 2008.
sobre a obra
Um poema sobre verso do poema" No meio do caminho, uma flor de Lótus..." de Raiblue