sábado, 19 de dezembro de 2009

: e sigo

imagem: Go ahead- flickr/stephcarter

i

:porque antes era assim- havia sonhos - que se sonhavam juntos como morangos vermelhos nos cestos amoantoados sob os pés das árvores- eram outros tempos e sonhos ainda havia quando nos juntávamos em grupos e a bagunça era geral o som comia solto e havia amor, também: falo de amor de corpos que se tocavam falo de simbiose de estar prá lá de bagdá me dá suas bocas me dá suas coxas me dá sua vida e tudo era assim: havia um quê de tudo o mais havia aquele ar flor e amor e ah- via-se tudo então com olhos de olhar prá dentro de prescrutar íntimos desejos e loucas travessias de egos e ei olha aí o ovo do início olha o gênesis e emerson lake e palmer olha aí os cantos rústicopoéticos jethro tull aqualung deus criado à maneira dos homens ei ...hey...

ii

na primavera\ já estivemos lá. era estação de flores, de florestas roxas rosas de cerejeiras em flor lá no japão de flores sem fim no sem fim do mundo. era estação de amores vãos-fúteis amores que se roçavam bocas que se tocavam braços que se aninhavam-mas era tudo tão rápido e tão jovem que a saudade não tinha e o tempo não passava e a gente esteve lá- abraçando, beijando, trepando feito loucos no cio mas era tudo muito romântico- e a primavera, porra, e não tinha tempo prá chorar: era tudo leve e solto e era isso aí.

iii

no verão a estória já era outra: corpos suados sarados malhados molhados agarrando-se nos amontoados das praias e das ruas e dos shoppings e era tudo tão bom tão up tão jovem- peles brancas, morenas, negras, de todas as cores e de todos os modos se entregando alí- e tome luas e luaus e tome sexo e alucinações e também ainda era tudo tão rápido que nem havia tempos de saudades ou de solidão? solidão? que solidão?

iv

depois as folhas começaram a cair e também as fichas: era outono., sabe? aquela estação estrangeira de folhas vermelhas e troncos nus que por aqui não combina, é tudo muito defasado, mas a angústia já se instalava e um frio já vinha descendo pela espinha nos momentos mais precários quando uma mão tocava meio gelada a nossa nuca e ei, que é isso porra que mão fria é essa? solidão- ah, já se sentia só-assim um pouquinho- nas noites mal dormidas- nas companhias que não ficavam, nas moças que iam embora, nos restos deixados nos copos, nos cigarros abandonados nos cinzeiros...

v

é, o inverno é foda: deixa-nos muuuuito tristes- e enrolados em cobertores de lã a gente se sente estranho no ninho: quando foi que saí de casa:

Quando saí de casa

Eu fiquei lá:

Quando me vim

De mim

Deixei crateras expostas

Portas fechadas,

Feridas,

Deixei pedaços espalhados

Espelhos quebrados, nos caminhos,

Nas fendas das grotas,

Nas curvas do tempo,

Deixei partes inconciliáveis

Quando eu me vim

A este mundo outro:

Os bichos ficaram lá:

Amoitados, amontoados

Num cantinho qualquer

De uma cidade antiga:

Latidos, miados, urros

Gritos e uivos- todos silenciados

Num pedaço de memória

Que teima,vez em quando,

Em uivar pra lua:

Meu, minha,

Teu, tua,

É a vida dando tapas,

Coices em nossas caras

Civilizadas.

Morre-se de fome,

De dores, de guerra,

De tédio

E daí?

A vida é assim. .

é, quando deixei a primavera da infância, aqueles sonhos rosados todos, quando foi que perdi aquele tesão de junventude braço bocabeijo bocejo bundas rebolando peitos ofegantes e sexo muito sexo e trepadas mil e gozos e nada de sonhos- ah..esse inverno é mesmo merda, frio como o alto do himalaia e aqui é o cu do mundo e eu nem sei mais o que estou sentindo será o peso da idade será o ar de chumbo da cidade será que será? a solidão- sólida como pedra rocha voadora que veio se abater aqui, no meio do meu coração branca como parede de cal soprando ausências:i

A solidão é uma parede branca

Caiada de ausências

Que germinam no corpo

Rememorando dores:

Tudo o que podia ter sido.

Não foi.

É uma ária de Bach

Adejando os ares

Num stradivarius

Sem ouvintes:

Antes, o corpo dançava

Ao som de estrelas

E os lençóis amassados

Eram nosso presente

De natal.

Hoje, não má marcas

Nos panos ou no pscoço

Beijos, flores mortas,

Murtas secas, no jardim:

A solidão é uma parede caiada

Branca de ausências

Onde a luz reflete

Promessas vãs:

A solidão.

vi

Porra, acho que deliro

em lírios mortos:

foda-se: estou vivo

e sigo.


quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

drums

imagem: into abstraction- flickr/robert in toronto

,do começo

ao fim

tropeço

nas esquinas

de mim,

domingo, 29 de novembro de 2009

cru


imagem: the beggar- flickr/clownbastard

meu verso é cru,
é avesso
meu poema é escroto
é abjeto meu objeto
lírico:
dorme nos bueiros, nas cânulas
transita pelos becos
fede,
fode,
escondido nos cantos
dos viadutos.
mas fala de vida- disfarçada em morte
ou de morte em vida-tanto faz:
meu poema é incapaz
de se sentar em cadeiras estáticas:
é fugaz
e se esconde do neon.
...ao redor da mesa
dormem as cadeiras.
estáticas e sem êxtases
as palavras furtivas
não se furtam ao tato. mas
não há quem as recolha
E perecem.como frutas
podres, em odores
fétidos.
Não há quem as colha
em sua plenitude:
dormem os homens
ao redor das cadeiras.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

anarquipoesia

imagem: Poesia.jpg by bidari/flickr


ave, pablo!

Hoje amanheci poeta e estou entardecendo perdido na prosa. Prosear sobre poesia, sua natureza e exigências, sua dependência do poeta assim como o poeta depende dela, assim como o poeta depende do ar para respirar e da palavra para se expressar em meio às multidões apressadas, ensimesmadas e sem palavras para com aquilo que a rodeia.A Poesia é uma musa exigente e premente e nuca se sabe quando chega ou quando vai. Coloca-nos em eterna vigília, a buscar a senda das maravilhas e das palavras inauditas, encantadas, novíssimas em sua formulação e em seu entendimento, como diamantes recém- convertidos de um carbono abrupto. A poesia é assim, ataca-nos de repente, ata-nos as mãos do fazer diário e se instala, sorrateira e brejeira, em nossa mente e coração, que fica lírico a buscar revelações e encantamentos. E nos atracamos com ela, enrolados em seu leito de lírios e rosas, de cheiros e luzes, plenos de imagens que querem se traduzir aos olhos outros pela construção e encontro da palavra perfeita, da palavra que traga a luz, ao mesmo tempo tragando a luz que brilha em nossa mente.A poesia é isso: uma busca pela tradução, mais que perfeita, dos sentimentos imperfeitos, das nossas contradições, das antíteses que somos e nunca queremos deixar transparecer. A poesia, para isso, depende do poeta e o poeta depende da poesia,e muito mais, da plena liberdade, aquela gritada a plenos pulmões, daquele ar que escapa do escafandro deixando o mergulhador à mercê da água que lhe rouba os sentidos...A poesia necessita liberdade, incondicional e irrestrita, para que seja gestada e resgatada do limbo a que muitas vezes a condenamos. Por isso, rima não com burocracia, mas com anarquia e com apostasia. A poesia é avessa aos controles, às planilhas, às escotilhas, às camarilhas, às escolas, às escolhas, é avessa aos sistemas e regimes; o que a poesia busca é a pura tradução da beleza, este ser abstrato que se oculta nos mais inusitados lugares... Por isso, o poeta não deve e nem pode, enquanto poeta, preocupar-se com números frios, mapas de controle, perfis produtivos, gráficos e estatísticas. Vamos sim, nos preocupar com o pranto não chorado, a palavra não dita, os matizes ao invés de matrizes algébricas, com o homem e a mulher, enquanto seres iluminados e antenados com o universo no qual vivem.Por isso, enquanto poeta, não busco o raciocínio dos números e a frieza das estatísticas. E registre-se que, paralelamente, trabalho com números, que no contexto adequado, também possuem sua beleza... aliás, esta já é outra praia pois, para os matemáticos, os números são plenos de luz, beleza, incertezas e inesperado e isso, diga-se de passagem, também é pura poesia.No entanto, quero aqui celebrar a liberdade e o dever do poeta de trabalhar sempre a palavra, como o fruto de uma lavoura não árida, de uma lavoura fértil, de onde brotem os sentimentos e as sensações apreendidas enquanto homens, dominados e dominadores, senhores e irmãos da natureza. E para isso, sejamos anárquicos e deixemos que as palavras nos transportem aos mundos exteriores e interiores, e façamos dela nossa arma e nossa alma, faça-se a luz ordenou Deus, faça-se a sua tradução por meio da poesia, conclamou o poeta. E sejamos assim, teses( como nos poemas-conceito, matrizes para outros e outros e outros poemas), antíteses ( como nos poemas barrocos, contrastes perfeitos para a natureza humana, sua luz e escuridão), sínteses( como nos poemas concretos e haicais, equações líricas e pequenas flores de cor e forma intensas). Sejamos menestréis medievais, cantando barcarolas, sejamos clássicos, em sonetos formais, sejamos parnasianos, buscando a jóia perfeita da rima e do conceito, sejamos simbolistas, dando voz aos nossos elementos interiores, sejamos naturalistas, dadaístas sem um sentido aparente, sejamos surrealistas transmutando as palavras em imagens sinestésicas e sensuais, sensações pictóricas, sejamos sintéticos e prolixos, sejamos modernos, reeditando 22, sejamos enfim, eternos, e assim estaremos sendo contemporâneos, expressando os medos, vozes e vórtices do nosso tempo, esse tempo que não é só cronológico, mas também sentimental emocio-lógico, baseado em nossas idiossincrasias e relacionamentos com o mundo e as gentes.Vamos pois, poetas, construir nossos opus de luz, mesmo em meio ao pus, ao pó, mesmo em meio às descrenças e desavenças, lançar nossas sementes de beleza que um dia, quem sabe, contaminarão a todos, tal qual uma pandemia, um pandemônio , uma ode à alegria de viver!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

adagio

imagem: water drop - adagio art/flickr

não há lucidez na dor.
nem calma no romper de laços.
há braços que despencam
corpo abaixo
buscando abraços
que já não há mais.
há bocas que mordem o vento
imaginando clausuras.
o leite derramado
não se bebeu:
tragou-o a dureza da terra.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

corpacorpo

imagem: sex bomb/flickr-ilovepie

não te querer assim: sonhadora, romântica, buscando alhures o que aqui não se encontra: o sonho martelava idéias sobre a cabeça e o coração enquanto o corpo apenas se jogava inteiro naquele jaogo de sedução avacalhado: mão na mão olho no olho pele na pele calor e tesão: um avanço, um recuo, outras idas e vindas, lindas as palavras ditas e os sussurros gemidos ao pé do ouvido gargantas secas bocas sedentas mordidas lambidas salivas lânguidas escorrendo pelos cantos sumos o corpo em explosão busca o saciar-se o engendrar-se o fundir-se:

Colado
Calado
Selado
Suado
Su (surrado)
O corpo encontra outro corpo:
Porto inseguro
Augúrio do velho
Do mesmo tema:
Janela vedada
velada
A alma se guarda
Em qualquer redoma:
O corpo não: faz-se
e se refaz
Entre Dioniso e Eros
Erra quem busca
alguma coisa mais?

longe daqui, desta cama macia com lençóis brancos e travesseiros cheirando a erva-cidreita pairam os sonhos: sonhos românticos dos poetas cor-de-rosa que queriam e não queriam estar aqui assim num tempo assim nesta empreitada doce e imaginada: amar a amada,assim, sem mais conversas, jogar-se sobrre o leito e desfrutar a carne, o desejo explodiindo, os corpos em êxtase, tudo tudo e as palavras soltas ditas assim sem mais rodeios muitomais que o te amo muito mais do que te adoro muito mais do que as pérolas de chuva e do que as rosas vermelhas sobre a mesa muiito mais: os sentidos e sua jornada noite adentro gozo gozo gozo corpos embolados enroscados: amor?
Não te querer assim, lírica, leve, mística, rósea: te querer assim: crítica, cítrica, inteira no seu torpor e no seu gozo múltiplo: amor?

Sob o cisne afoita,
leda cisma
enquanto frui
o instante:
será amor
a alquimia dos corpos
ou pura anarquia
do desejo?

terça-feira, 17 de novembro de 2009

doze tulipas

tulips, red - jcolman/flickr

as doze tulipas vermelhas brilhavam no vaso sobre a mesa: ainda estavam frescas, vieram de Amsterdã eu mesmo trouxe na minha bagagem de mão no gelo só pra você sentir a energia e a beleza dessas flores- e eu fico olhando essas tulipas tão vermelhas e tão brilhantes gotas de água ainda pairam sobre suas pétalas e o sol atravessando as folhas dão ainda mais realce a este brilho sim que bonitas estão as tulipas... a energia irradiada não atinge no entanto seu objetivo pois ela eu nós estamos todos muito down- não sei se o efeito estufa se o calor maluco deste verão não sei se o cansaço das coisas o descompasso da vida não sei se os momentos que viemos- nada me diz nada, não sei para que serve tanta beleza essas flores vermelhas doze sobre a mesa doze místicos corações atravessados por setas de dúvidas doze míticos heróis atarantados querendo lutar contra um mal que se vê mas que não se vê um mal de almas e de mentes um mal enraizado um mal estar que não se corrige- esses homens de hoje nós e nosso tempo- um tempo em que se insiste em matar a poesia e calar os poetas e dizem pra quê? Pra quê tanta palavra tonta tenta outras tintas fala do real dos tiros dos atabaques das balas perdidas das minas gostosas se jogando ao vento fala do sexo que é bombombom- não sei pra quê tanta poesia esse tempo nublado não combina pra quê falar de bicho do mato de flor que perfuma de pores de sóis e de luas cheias brancas flutuando sobre nossas cabeças é só a lua é só mais um no céu céu ah que céu estrelado lindo essa via láctea se derramando sobre nós esse sentimento queimando no peito epa! Olha a poesia se infiltrando disparando seus dardos não sei se vou resistir a estas belas doze tulipas vermelhas brilhantes sobre a mesa... sim, sei que elas vão secar, murchar, apodrecer e enfim virar pó- sei, mas é assim: a vida é assim, assim é a poesia- o sentimento do perene e do efêmero. E quando nos dissermos relaxa meu bem é só sexo o que nos une lá no fundo sabemos que não: há qualquer coisa no ar.

há pétalas que antecedem o caos
há petalas que sobrevivem ao caos
há pétalas que fenecem no caos.
o homem não.

sábado, 14 de novembro de 2009

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

poecacto

foto: cactus/flickr/L Lemos

a poesia fere,corta,
machuca,retalha,
dói e estraçalha.
mas guarda em si
a seiva
a água fresca
que mata a sede do poeta
nos desertos estéreis.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

iv


foto: neurone de mer - allaletre(like a foll on the hill)/flickr

pois a luz iridescente da poesia
Me atropela pele e poros:sou
Pura síntese, osmose
De cromakey
Antítese do velho:
Cristais de quebrar
Safiras & esmeraldas
a poesia
Deflagra em mim
Ultrajes e lambidas
Êxtase
Eu te quero, poesia,
Avassaladora em mim
É pra ti que canto
Estes cantos
crus
e insensatos.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

fábula


foto: fruit and fly - shioshvilli/flickr

Pois eu danço
E bebo e canto
Até que brusca mão
Me espanta.
(William Blake – A Mosca
)


Eu,pecador, absoluto em meu pecado, todo poderoso construtor dos meus desvarios, confesso-me a mim. Persigno-me, persigo-me, prossigo nesta impossível impassível jornada, trama indecifrável. Eu, pecador, crivado pelas setas e espinhos da dúvida, indivíduo no mundo, persigo meu sonho. E meu sonho intromete-se em minha vigília, soltando no ar os seres que povoam minha mente.

...Assim estava, assim pensava ele, abandonado ao tépido calor daquele vinho, naquele fim de tarde, jogado sobre a poltrona, quase a dormir, naquele profundo retalhar de coisas antigas, de crenças antigas, naquele ato de dissecar as próprias dúvidas, a própria vida.
De repente, ouve um zumbido e o barulho de vida próximo a ele. É uma mosca, que ronda o ar, ao redor da fruteira. Ali estão as peras, que adormecem e apodrecem seu marasmo , lassidão, solidão e abandono. A menos que uma mão faminta tome-as, levando-as à boca para saciar a fome, elas ali permanecerão, eternamente em seu marasmo, apodrecendo.
Ele observa a mosca, que zumbindo em círculos aproxima-se da fruteira. E se admira ao ver seu vôo bonito, concêntrico, o brilho refletido em suas asas azuis quando o sol rebate nelas diretamente. Acompanhando com o olhar vê quando ela, finalmente, pousa sobre as frutas. Como que magnetizado, sente-se penetrar na realidade daquele inseto, que agora passeia sobre a superfície dourada da pêra; ele agora é a própria mosca e passeia sobre a fruta, sentindo toda a carícia do veludo sob as patas, a tepidez dourada provocando arrepio nos pelos.

Prepara-se para sugar todo o seu sumo, sua seiva. E exatamente quando começa a gozar as delícias de sua empreitada, desvia os olhos para cima, deparando-se com um magnífico azul violáceo , um sol que a convida a viagem rumo a outros ambientes. E ela imagina milhares e milhares de novos frutos, antecipando delícias de paraísos inimagináveis. E se divide: não sabe mais se se entrega ao doce ofício de sugar a seiva da dourada pêra ou se levanta vôo em busca de outras paragens. E se debate entre, e se confunde, não percebendo a pesada m~´ao de alguém que se abate sobre ela, que agora está tombada, inerte sobre a fruta.

... Quando sentiu a tragédia, voltou a ser ele próprio, sentindo as forças esgotarem-se nos estertores da morte. Novamente é ele o observador, e observa a cena: as peras continuam na fruteira, no mesmo lugar a mesa e a toalha, as flores, a sala, ele e seus olhos. Tudo permanece, como sempre, apenas a mosca está morta e já não faz mais parte do ambiente. E no entanto, nada mudou. Todo o conflito que viveu, todo o seu angustiante dividir-se, tudo é acabado. O mundo permanece, indiferente à sua morte, à sua queda. O seu pequeno mundo, feito de uma sala, de uma mesa e de uma fruteira cheia de peras, que continuam adormecidas, apodrecendo sua solidão e seu marasmo nas tardes quentes.

Silenciosamente, pé ante pé, como se cumprisse um ritual, ele se levanta e se aproxima da fruteira. Com a ponta dos dedos retira cuidadosamente o inseto, e sem uma sombra de qualquer sentimento no rosto, atira-o na cesta de lixo, seu último reduto.

Eu, pecador, absoluto em meu pecado, todo poderoso construtor dos meus desvarios, confesso-me a mim. E jogado sobre a poltrona, nestas tardes monótonas e quentes, pressinto e antecipo a queda da próxima mosca, e o ranger de dentes das peras, deixadas solitárias na fruteira.

Do Livro “ O DEVORADOR DE PALAVRAS” -Brasília, 1982

terça-feira, 27 de outubro de 2009

tu do nada

foto: wake up dead man- flickr/just.Luc

..tu do nada vieste
Tudo é nada
O nada de que te revestes
Ao querer ser tudo.
Tudotudotudo
Nada
Contra a correnteza:
O nada até te abisma
Por conter em si
O tudo
O totem
os tutti
quanti
rios vazios
vasos sem flores
e mares sem ondas
ou peixes.

O nada me assombra
Como sombra. Soçobram
Em mim
Suas tristes memórias.
Só me sobram
O medo e o enfado
esses fardos
Nesse fado.

Tu do nada vieste
Tu do pó surgiste:
Dedo em riste,
Corpo ereto,
Cavernoso, te eriges
À tua própria imagem
E desessemelhança:
És nada, entretanto,
E nenhum canto,
qualquer pranto,
nenhum mantra
Nem encanto
É capaz de salvar-te
Da tua condição:

Pó de estrelas
De luzes morrentes
Há quantos bilhões
De anos-luz?
Veste-te
De tua insignificância
E aproveita o tempo
Que te é dado viver:

Sorva a poesia
Como quem bebe água fresca
No deserto das idéias.
Pois...

domingo, 18 de outubro de 2009


foto: depressed wander-flickr/hybrid756

cena I
paisagem se desdobra à minha frente
feita de brilhos e barulhos matinais.
Mas não me importo. Não me interessam
estas mornas tardes outonais.
Em meu peito chove. Rugem vendavais.

CENA II
Ela não. sente-se sozinha senta-se no vão da escada e começa a pensar. pensar.
“Eu me perco na minha própria perdição. Ando muito desligada, buscando trilhas, maravilhas e não vejo a vida que corre ao meu lado, cobrando, cobrando, feito cobra serpenteando ora fria ora quente o bote armado... Nada me importa e a viagem não tem fim. Fui. Fim. “

Ela lembra os velhos filmes e os desgarrados personagens de Nazarin e os figurantes do banquete dos mendigos. Putas, abandonados, cães vadios saídos dos becos de Brecht, gente sofredora que desfila por seus olhos pedindo uma chance de se mostrar, de se revelar, de poder soltar os seus clamores.

CENA III
Ele deitado. Na cama um tédio sem remédio. Ontem foi sexta e ele só chegou no sábado noite selvagem sexo sexo sexo foi amor foi paixão? Não, foi só tesão acumulado, desejo de outro corpo, desejo estimulado pela mídia e pelo vício álcool na veia paraísos artificais que luta o que é que eu busco afinal onde é que eu vou para que estou aqui? São tantas e tontas perguntas e a vida corre, sorry. a vida corre, a noite escorre, o mundo é um grande porre, cadê as adocicadas lovistoris onde é que eu entro nesta história? Cansei, dancei.nem sei. Penso e lanço meus medos ao espaço e meus medos me invadem e se materializam e voam, soltos nos ares, feito vampiros feito nosferatus desilsudidos e desesperados querendo sangue mas muito mais que sangue querendo afetos e afoitos se desintegram aos primeiros raios de sol e aos mínimos sinais de carinhos ou caricias em suas faces túrgidas e lívidas de habitantes da noite. Ah, que pesadelos são estes que agora me atormentam?

CENA IV
Ela no vão da escada. Ele, deitado na cama, em seu tédio sem remédio, ouvindo canções que não se usa mais, valsas vienenses, bosques de imperadores, se esta rua fosse minha ah, eu mandava te buscar... foda-se, eu quero e gosto das canções antigas... ah, que tédio estes baticuns de hoje em dia....

Ela se levanta do vão da escada, borra boca de baton. Vermelho vivo, como a vontade de se entregar ao primeiro cara que encontrar pela rua. Ela se levanta e vai ao encontro do destino. Que destino? Ele, o cara do tédio sem remédio, das músicas que não se ouve mais do sexo selvagem que não tem a ver com paixão e com amor? Ele mesmo.
Ele, a esmo, sai da cama e se veste, feito um robô. Bota a bermuda. A cena muda.

CENA V
Um encontro romântico nos bosques de Viena ao som de strauss longos vetidos brancos rodopiando sonhos enquanto vampiros negros nosferatus e dráculas sobrevoam os salões guardiões do cara do tédio. Ele. Ela. Eles. E daí?
Daí, há de sair alguma coisa de concreto sangrando a cena, alguma carícia mais afoita, uma noite de prazer, duas ou três noites de trepadas, sim, e daí? A vida é só isso aí?
Onde ficam os sonhos, os devaneios, as buscas, a esperança, a estrada de tijolos amarelos e os castelos de sissi e o palácio de esmeraldas e os poderes do anel?
Onde os poetas podem colocar seus versos e seus segredos se não perdurarem sonhos e paragens outras, além, muito além?
Não podem.
Ele. Ela. Eles.
E ávida a vida é assim. Seca.
Nua. Crua.
Assim.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

kamikaze

foto: Depreession the blues- by joana roja/flickr

...lá fora, a primavera prima pelas cores, cheiros, sons e maravilhas. Lá fora.Cá dentro, rola um blues candente, a voz rascante derramando inglórias e dolores. Adora blues seu andamento nostálgico. no seu peito rola um tédio,um ócio,um oco, uma dor que não se explica: ela se foi,e na mesinha, um bilhete de uma precisão cirúrgica:“Não rola mais, meu bem- Bye” sente-se só e pensa no anjo torto de Drummond nos ossos do baú do nava na barata de kafka tão só e abandonada...Pensa e pensa no pneumotorax de bandeira que bandeira meu deus...tudo que podia ter sido ...
e se afoga em lençóis
a ver navios naufragados...
naufraga com eles
numa viagem inexistente
ao país que não é a pasargada
nem wonderland..
os restos de cigarro, os respingos vermelhos
no lenço branco
O vinho pela metade:
únicos vestígios
De sua desaventura.

sábado, 10 de outubro de 2009

clichê

foto: simple - FEDEXMAN1/Flickr

tua boca
(nua, jade manhã
perfume a romã
rosmarim
e hortelã menta
minto?sinto
a pimenta do lábio)
teu olhar
na tarde
arde, é brasa pura:
azul de turquesas, com certezas
de acender esmeraldas
e candelabros:
teus olhos, teus lábios
astrolábios
para abrir caminhos)
teu corpo:
(porto na noite
perto a promessa
decalmas
decalques na pele
viagem:
é paisagem
que se abre
além dos olhos).

sorver tua boca
nadar os teus olhos
dormir no teu corpo
o repouso em teu
colo sereno
é mais do que tudo:
é amor
varrendo o tempo.
que tempo?

tudo isso é clichê...
mas é tão bom!

sábado, 3 de outubro de 2009



Eu já fui junkie, eu já fui hippie
Hoje é o mundo minha sala
( zeca baleiro)


foto: bungeejumping- flickr/murdoch666

:já fui tudo, já fui tanto,
(tonto já fui, já fui santo,
já fui fel,
fui absinto
já fui pranto, vendaval
e calmaria)..
.já fui caixa de retratos
cheia de velhas memórias.
hoje desato os nós
abro o baú
e jogo fora as lembranças
velhas, vãs e carcomidas:
e do alto deste pico,o mais alto,
espalho fotos, coisas,papéis
e tutaméias: me lanço-
bungeejumpeando
o azul
sem coletes,botas,
ou capacetes:
a poesia
é minha salvaguarda
para o estar vivo.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

ii


foto: dead leaves - flickr/andy shultz


além do arcoiris há o quê?
folhas mortas,pisadas,
pesam mais do que os séculos.
o vento bate e varre as folhas:
tortas, hirtas, geladas,
ainda se alvoroçam:
o que há além
das chuvas e horizontes?

terça-feira, 29 de setembro de 2009

sem potes de ouro


foto: arco iris/coda- flickr/Gulliver

então era assim: nada do que eu havia dito, nada do que eu havia feito, nada do que eu havia sonhado, em noites mal dormidas, tinha mais importância. A coisa era assim: seca. árida. sem elegância, delicadeza ou vaselina: no soco e na marra. Na tora. A coisa é assim, então ficamos assim: eu não ligo você não telefona, fica o dito pelo não dito e o bendito pelo maldito: e deixamos rolar as mágoas e naufragar as águas que já não movem moinhos. Agora sei que o buraco é muito mais embaixo e, saca, as coisas acontecem assim, de repente, de repente o tempo passou-sabe? De repente mesmo, eu nem havia percebido que meus cabelos ficavam escassos, que meus olhos perdiam o viço, é catarata diziam-me maldosamente é a idade: a síndrome do PVC, a crise da DNA, o susto da idade que, de repente, chegou e se instalou: e eu nem havia percebido que a barriga- é barriga de chope, eu já me dizia há algum tempo atrás- bastam umas flexões, um tempo na academia e tudo se reconstitui- até a tatuagem anda flácida- os peixes e lagartos antes ostentatórios de tanta vaidade hoje estão assim estranhos, deslocados até. Foi de repente que eu saquei que o tempo passa, velho, e que não há jeito de segurar aqueles piercings aqueles brincos na orelha ah e essas rugas eu não tinha essas rugas e esses esgares no rosto não a gente não era assim mas o tempo passa e traz com ele toda uma nova gama de sensações e sentimentos inclusive quanto ao nosso corpo e nosso culto à forma mãe prá onde é que correm os barquinhos de papel que eu jogo na enxurrada acho que é para o rio e do rio mãe prá onde vão acho que vão para o mar e o mar mãe é longe ou perto daqui ah filho é muito muito longe daqui o mar é grande é maior que o nosso sonho e o barquinho do mar prá onde é que vai mãe ah filho aí já não sei eu nem conheço o mar e olha que já tenho mais de cinqüenta anos e eu ficava ali mineiramente pensando caladinho que que era esse mar tão falado e tão pouco conhecido nem mãe sabe dele já pensou? E a gente cresceu e viu o mar, uma vez, duas vezes, muitas e muitas vezes e o mar nunca perdeu aquele encanto primordial... o mar, aquela imensidão aquela grandeza ah então é prá ali que iam todos os meus barquinhos de papel que eu jogava na enxurrada e dali mãe acho que já descobri os barquinhos viram colares e vão enfeitar as cabeças de nossa senhora e de deus eles buscam os colares que se formam nas cachoeiras dos rios e na virada do mar o mundo não é redondo mãe ai menino deixa disso que coisa mais sem pé nem cabeça e eu sonhava e eu sonhava com aquele mar aquele mar que tantos anos depois era uma paisagem emoldurada à minha frente, da sacada do apartamento...epa, divaguei e divagando estou ainda eu flanava no tempo ah esse senhor ou ele é um menino ou um bebê? senhor senhor o que é senhor? O que sou eu, hoje, com tanto tempo já passado e tanta vida já vivida será que é só isso esta total falta de perspectivas quando se chega ao tempo do fruto maduro e que a gente tem as portas da percepção muito mais aguçadas olha meu corpo aos poucos se entrega ao ócio físico mas minha cabeça é um turbilhão: minha cabeça é cheia de buracos negros buracos de verme estrelas vermelhas estrelas anãs é um big bang constante é um universo paralelo em ebulição e em evolução e eu penso e eu divago e eu imagino e eu costuro idéias e conceitos e esta tela de computador e este teclado me incitam me excitam me inspiram e me piram: e me acho ainda jovem jovem e sinto que a vida é muito mais do que esperas vãs: é tudo aquilo que acontece enquanto você faz planos já dizia o John ai ai ai cadê? Cadê aqueles velhos sonhos da juventude as batas indianas os incensos e os chás e a comida macro e Gal cantando vapor barato e os psicodelirios e as alpercatas e todos os caminhos e descaminhos da gente que buscava sonhos nas curvas da estrada e e nas areias das praias e retiros espirituais ei vamos hoje lá prá arembepe bicho vamos curtir um som paz e amor e a vida rolava calma e clara e plena de vontades e desejos desejos e rolações pirações camas feitas e desfeitas rede coqueiros e avatares mares e marés e maresias....ilhas de ilusão bem sei eu hoje aqui sentado penando em tudo aquilo que foi e que passou- e este teclado louco me clamando, me xingando, me incitando e excitando recitando versos estas teclas estão vivas lembro-me do almoço nu e das loucas viagens de burroughs e dos delírios e(s)tílicos ei eu restava falando do fim lá no principio: sim, do fim, assim seco, assim ríspido, assim brusco, assim tosco: o fim, sem alvíssaras, sem aleluias, sem handels ou heróicas, sem bethoveens ou árias de Bach: a indesejada das gentes agora deu-se a visitar meus grupos de amigos e amigas e deu-se a mostrar as caras- a insidiosa, fatídica e inesperada anda cortando e riscando do mapa gentes de quem gosto muito: e assim, secamente, de doenças ou acidentes ela vai levantando vôo e carregando almas a quem eu quis muito bem: e eu fico me perguntando: será que os sonhos, as memórias, as idéias e as metáforas todas são como aqueles meus pequenos barquinhos de papel das enxurradas e vão todos parar no colo de Deus? ou tudo não é uma grande comédia e acaba ali- no fim da chuva, sem potes de ouro no arco-íris?

segunda-feira, 28 de setembro de 2009


foto: no longer a bud in flickr/pwinn

e a bailarina
menina
dança
mansa e imensa
em seu mundo
de marfim e porcelana.
dança
uma música antiga
que evoca passarinho
e primaveras.
a bailarina menina
dança
suspensa
entre o tempo e a memória
perdida
numa porcelana rosa.

(ela não sabe que,fora,O mundo não é assim:
tão rosa tão riso, tão calma,
tão plácido, tão primaveras
De Vivaldi
tão tépido como vinhos de outras safras:
ela não sabe a dores,
a temores, a medos
e a segredos não compartilhados.
nem de fomes diversas ela sabe
nem de mortes, meros temas
entre tantos
Ela não sabe...)


mas deixemos que dance
até que lhe acabe a corda
e que uma mão invisivel
gire de noivo a manivela
e lhe dê asas, e lhe dê velas
para o reinicio do sonho:
a bailarina menina
pequena,suave e doce
dança
num mundo delicado
em porcelana
sua vie em rose.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

salva-ções


foto: victorian children - east lothian museums/flickr

Filha, pare de chorar
Se não te pega
O bicho papão


(e o nenê,recém
Cheirando a leite
Se enrola, de novo feito feto
E se esconde,enrodilhado)

Menina, fica quieta
E não se junte aos meninos:
Menino é mau, e te pega
E faz besteiras


(e menina- flor que se abre
Delicada ao mundo
Descobre o imundo
Que se esconde no fundo
De toda cabeça
E se cala, e não se toca,
E se encolhe
Feito caramujo
Em seu caracol).

Garota, toma cuidado
Com esses seus namorados:
Homem é bicho atoa
Ele te pega e te come
E se vai:


(e a mocinha- flor em ebulição
Em livre viço e rebuliço
De seios e sexo frementes
De desejo
Se recolhe,
No ardor do medo
E no escuro do quarto
Ainda se toca,mas
Co0m medo
Do inferno e purgatório:
Não há salvação
Possível?)

Senhora,muito cuidado
Ao caminhar assim, elegante
Pelas ruas e becos:
Olha os bandidos, olha os gigolôs
Que só querem seu dinheiro
Vendendo sexo
Como se fosse pipoca
E não carinho.


(e a senhora, assustada,
Reduz os passos, alonga o vestido,]
Esconde os seios
No decote
E se recata e corre para a igreja,
Ali sim, refúgio, sem perigos:
Ainda há salvação?)

Oiteenta anos. Os anos foram
Junto com os tempos,
Bonecas e cirandinhas,
Os vestidos decotados,
Os arroubos de menina
E o assanho de moça:
Os tempos foram
Junto com os anos vermelhos
De faces coradas e desejos
Arredios e ardidos
As mãos tocando o sexo
De noite, às escondidas
Buscando o gozo:
E o pecado, e a vergonha,
E a salvação:
Ainda há salvação?)

Cuidado senhora, não saia
Assim sem o seu casaco
E o seu cachecol de lã:
A morte é insidiosa
E ela vem te pegar:


(mas a senhora, cansada,
De solidões e agouros
Um poço de velhas lembranças
De tudo que não viveu
De tudo que não sentiu
De tudo que não sofreu
Da salvação que não houve
Nem mais ouve: que venha
A insidiosa
E que venha me pegar
Me carregando em seu braço
De volúpia e perdição:
(mas a morte, insidiosa,
Nem esta vem lhe pegar:
prefere outras, mais jovens,
Perdidas em vícios e frescor:

E então ela se pergunta
Tonta de tanta ausência:
A salvação- inda
Terei salvação?)

sábado, 19 de setembro de 2009

ceciliandares



foto: mangpaages/flickr

(ah): do nada:

nada é o que nos espera.assim.
construímos arcabouços
calabouços calabocas
como suportes aos nossos desvarios
mais desatinados.
nada. é o que nos espera
embora
insistamos que tudo se disssolve no todo
no caldo amalgamado do universo
ou que nada se resolve em nada
e que o sopro que nos anima
se aninha
em toda e qualquer matéria
rediviva.

(ahh): do tudo

nada.é o tudo que nos espera
mesmo assim, vamos ser tudo
e o todo enquanto o sopro
se fizer presente. vamos
ser tudo e tudo, todos os diais
E todas as canções.
nada é o quer nos espera? não sei
e quero ser assim,controverso
com direito ao avesso do verso
ao fim e ao recomeço. não sei
o que é que nos espera.agora
já nem sei se o nada
é um grande brilho branco
um opaco buraco brusco
num céu improfundo.nem sei
de nadas ou de tudos...

aaah: dos enquantos

ainda assim, quero ser todo
o estupor e todo o espanto
do que se faz novo
enquanto canto
o doce ofício do ócio
o osso dócil do ofídio
tanto mais doce
Porque inexistente.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

imersão


foto: memories- flickr/striatic

prá nina rizzi
Desaprendi com os bichos do mato o reverso dos caminhares. Veja, não há grandeza nem beleza nesses roubares de ares nessas andanças vãs e ermas em busca de outras plagas que nem pragas atacando vírus virulando e embrutecendo vidas que deveriam ser vidas:plenas, ávidas, esperança e flor da pele não essa out-dor que incomoda essas cólicas que destroem eses besos descarnados essas carnes insossas e incolores essas cores cinza cinza assim sujas borradas indefinidas:sim essa cor cinza desses céus de chumbo de caos-ixões de chumbo chumbo grosso não há graça na desgraça não há riso não há siso que se deleite na dor: o homem não pode se rastejar que nem serpente tem que ser pente fino a se pentear e buscar cafunés nos cabelos belos fios a se tecer a se ter carícias e delícias nas mãos e nas cabeças:
à beça, tem que ter carinho de muito muito mais caminhos abertos a se caminhar indo em direção ao novo rumo. Desaprendi com os bichos a ser solto assim feito os peixes que não têm memória: vive-se o átimo o último instante a cada instante: é tocante essa não memória do peixe. É tocante o olhar do cachorrinho que se entrega assim, sem mais, sem ao menos amenos desejos ou vontades: é chocante seu estado de amor e de cuidado. E nós: onde? Quando? COMO? A gente não sabe um milésimo do amor dos bichos, dos estares e fic ares dos bichos e de suas pequenas vidas tão entrealaçadas,ah, eles não são humanos pode crer?vamor fazer uma imersão no mundo dos bichos?