quarta-feira, 27 de maio de 2009


foto: Lembranças azuis- Paulo Côrtes/flickr

a última vez que vi malu ainda era primavera e a gente brincava dizendo assim o que é que há onde você está com a cabeça que não vê as flores na varanda do chalé nem sente as cores que se abrem junto e que derramam aromas de amoras e amores sobre nossas cabeças e narinas e esses cheiros eu carrego até hoje não sei se isso passou nem sei se isso aconteceu ou se foi apenas uma miragem imagem de um sonho ou cena de um filme ou...

a última vez que vi malu era o inverso da primavera era um inverno frio e nós dois como ursos hibernados dentro de um chalé no meio das montanhas geladas era serra do cipó ou eram os montes urais ou era no canadá nem sei só sei que as manhãs eram geladas e as maçãs não floresciam nem eu podia falar nem ela pois as mãos enregelavam quando a gente tentava apanhar as palavras saídas da boca e que se transformavam em cubos de gelo quebradiços que batiam no chão e ploft se acabavam em água fria sólida e nada ficava de sólido nem de nós no ar apenas aquela solidão indesejada aquele estar ali e de repente não saber estar e aí...

ai ai ai- da última vez que vi malu era um outono desses nostálgicos desses que bota a gente todo troncho pensando ah, outonos são aqueles do hemisfério norte em que as arvores envelhecem as folhas vermelhas que caem e formam tapetes lindos vegetais nos parques limpos e calmos ah, que nostalgia é essa desses outonos que a gente nem viveu? nosso outono era aquele dos ipês e dos apês a gente enrubescendo com sol e se arroxeando como os ipês que nos escandalizavam com a beleza insolente e crescente dos buquês coloridos só flores sem folhas aquela coisa linda e então...

da última vez que vi malu era verão e o sol ardia- ah! era verão aquela estação das propagandas, das cervejas, dos corpos nus ou quase, das caminhadas na praia, dos sol-nascentes e poentes policromáticos, das viagens a itacaré a jeri a caraíva ah...verões de sol em brasa e corpos idem mas da última vez que vi malu naquele verão não havia nada disso isso era apenas um conceito uma idéia nós estávamos atazanados com teses de mestrado e trabalhos finais e não tinhamos nem tempo de sair de casa para tomar uma cerveja com os amigos e eu me lembro de ter visto a malu ali linda com os braços cheios de livros e eu dei uma trombada nela e ela deixou cair os livros no chão tipo cena de cinema eu me agachando apanhando seus objetos ela sorrindo diáfana e...

não me lembro da última vez em que vi malu.

Um comentário:

Adriana Riess Karnal disse...

muita prosa, muito lírico.