sexta-feira, 18 de junho de 2010

porrada


imagem: giovanni spina/flickr


e só te querer,assim:
porto inseguro
de mim
onde desembarco
riscos, chuvas,
e rabiscos
onde me aventuro
ao tropeço
e à queda-
e me reinvento
a cada porrada.

terça-feira, 15 de junho de 2010

insano


imagem: funky64/flickr


insano, aceno
aos quatro cantos
do meu corpo
e às curvas do teu.
ateu, me descreio
e não descrevo metas
nem rezas
laudamus te, rosa!
-calma! clama a alma
áurea clara, a aspergir
aromas de incensos:
-chega! brada a musa
brava, envolta em luzes
- olha em volta
e se recolha :
a poesia não é presa
fácil
e não se dá assim, sem
mais nem menos:
ela sangra
e só se deixa entrever
em entrelinhas
em estrelinhas azuis:
Sorvê-la
é possuir cometas
raros
é frutificar o vento
é navegar em mares
nunca dantes.
insano, me ofereço
e não recolho arestas
nem aparo farpas:
cadê essa poesia
cadê essa musa indócil
essa mulher difícil
que não cede aos meus
apelos?

a musa se esconde, insana,
atrevida e lânguida
em suas próprias curvas
e meneios:
dobra os joelhos,
abre os braços
e as pernas
e me diz:
e daí?
já achou
o caminho das pedras
e dos brilhos de fogo?
então,
venha me se queimar.

sábado, 12 de junho de 2010

obsceno


imagem: arkano3/flickr

ou não?
fazemo-nos obscenos
soltando os bichos
e sacando a cena:
acenos, assanhos,
sinos assassinos
e badalos bêbados:
acenos obscenos
nos trazem gentes
que só querem tudo
a nada remando:
obscenos
plenos de bordejos
pintamos e bordamos
nas camas e fora delas
as flores, as flores virão
em seu momento exato:
antes, os olhos, as bocas,
peitos, coxas e bundas
são nossos arautos
rumo à plenitude:
Ddpois, a mansidão
os lírios e os poemas
sujos ou não.
Ou não?

quarta-feira, 9 de junho de 2010

contra as luzes


imagem: tanakawho/flickr

a noite afoita corre
contra as luzes da cidade
e insiste
em se esfregar
em camas vazias.em buracos negros.
em cantos escuros. em escadas sujas.
em lençóis de traças.

a noite corre, contra o neon
e os luzires
das vagaluzes que piscam
no coração da treva.
uma falsa noite brilha
intensa
com brilhos de diamantes
ofuscados
pelos vícios.

e as gentes
se jogam,. se estragam
ao som de ondas
de solidão e desespero.
anônimos, se entregam
à muralha inconcebível
dez mil decibéis:
zanzam, zoam, rodopiam
zangões irados
moscas tontas-fartas
de tanta luz:

às vezes, tropeçam,
caem,
rompem o caos
contra as luzes
que se afastam
fatais
rumo ao nada.

a noite corre, fatídica
contra as luzes lilazes
de prazeres
contra copos que se cruzam
contra os corpos
nus
crus em seu exílio
buscando o porto
inexistente
nos bares,
nas casas,
nos catres
e catracas.

mas tudo isso é o nada.
que lhes resta viver.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

no colo de mãe


imagem: joan bowe/flickr

,anda mãe- canta prá mim aquela musguinha que pai cantava quando ainda estava vivo..
E o menino encostava a cabeça no colo de mãe, se ajeitava( nos olhos, as águas borbulhavam: eram lágrimas, querendo fluir, romper o dique das emoções de criança que já havia tido contato com a morte e que sofrera, sofrera com muita antecedência as dores do mundo)
-qual, filho? Eram tantas musguinhas que pai cantava...
-aquela mãe, do balão,sabe qual?
-sei sim, filhote- claro que sei ( e aí, são mais olhos querendo esconder águas represadas: mãe se lembra do pai, companheiro de tantas horas, de tantos tatos, companheiro de anos muitos, que morrera deixando-a com filhos a criar, pequenos, outros grandes, a saudade muito maior ainda, mas ela não pode chorar agora, só depois, no seu quarto, na sua cama que outro homem não m ais compartilhara).

“balão custa dinheiro,
Dinheiro custa a ganhar,
Arreda papai, arreda mamãe,
Deixa o meu balão passar”


A voz de mãe soa suave, ecoa nos móveis, colore as paredes brancas, e o menino vê os balões de são João rodopiando no quarto, como pipas acesas em luz e cor, e tenta agarrá-los pela rabiola, tenta viajar neles, para longe dali, para um país de faz-de-conta, uma terra de espelhos onde pai tá, eu sei, pai tá lá, rindo prá mim e cantando esta cantiga que mãe agora repete, sua voz suave e mansa penetrando os ouvidos, trazendo a paz do sono, e o menino, entre a vigília e o sono, ainda repete:

- balão passa, né pai?

Era sempre assim que terminava a cantiga perdida no tempo, quando o menino retruca a musguinha do pai com esse refrão infantil, onde sem querer já estava adivinhando o destino das coisas, das gentes e do mundo: passa, tudo passa, tudo tem seu ciclo e a gente não se acostuma com isso.
O menino dorme,colo de mãe é porto seguro, sonho com pai do outro lado, entoando cantigas antigas, lembranças, e ele penetra emm outros mundos: mas, ai, o mundo é só esse aqui, na real, pai já se foi e não existe mais aqui.
Mãe , agora com as águas escorrendo pelo rosto ainda jovem, lembra de outros tempos- parece que faz tanto tempo, quando os meninos todos eram ainda pequenos, quando a vida apesar de tudo era uma festa, quando todos se juntavam na mesa, para comer qualquer coisa que tivesse, quando a alegria ainda tava ali, presente- antes da morte de pai, antes de os outros filhos crescerem, antes de tudo, antes do mundo. Mãe sonha com sua juventude, com sua época de moça, em que conquistara pai com um sorriso maroto e aqueles olhares que só ela sabia olhar: mãe era noiva, ia casar com outro, e poucos dias antes decidiu mudar seu destino: largou o outro na igreja, e foi namorar com pai: era época de guerra e pai tinha que se alistar- então se casaram assim, no vaptvupt, e ela nunca foi tão feliz: pai era poeta,, amava os passarinhos e as palavras, contava estórias enquanto levava a vida adiante...

-mãe, acordei- tava sonhando com pai... queria ouvir mais uma musguinha que ele fez prá mim..
-são tantas, filho... escolhe uma:
-quero aquela, dos porquinhos, sabe ela, mãe?
Sei filho, sei todas as musguinhas que seu pai cantava prá vocês:
E a voz ecoa novamente, lenta, suave. Melódica, enchendo o quarto de uma nostalgia lírica, os olhos do menino atravessando os olhos de mãe, buscando encontrar ali os olhos de pai que ele tanto amou como tanto ama sua mãe:

“o porquim chinês
O porquim ladrão
O porquim dourado
Foi-se embora
Pro sertão”


Ecos, ecos na noite longa que se aproxima, e o menino se imagina o cuidador dos porquinhos, que se aventuram pelos sertões da memória- que abandonam seu chiqueiro, sua fazenda, sua mãe e se jogam no mundo atrás da felicidade, da felicidade? Porquins procuram a felicidade?
Porquins sabem o que é felicidade?

O que é felicidade?
Palavras tantas, tontas,
Idéias que se repetem
Ideais que se buscam:
Há o amor- ah, o amor..
Outra vertente da vida
Em que nos apoiamos:
Buscamos, buscamos, e dizemos
Eu te amo- uma, mil,,
Miljhões, zilhões de vezes
Enquanto beijamos bocas,
Enquanto buscamos sexo,
Enquanto limpamos lágrimas,
Enquanto rimos, pacíficos,
Enquanto lutamos, pérfidos,
Contra quem nos deixou:
Amor, amor, amor,
Somos o amor:
?
A felicidade, o tronco seco
Da dourada árvore
De sonhos idem:
?


Mas mãe não sabe disso, nem o menino:
Eles estão ali, naquela cadeira de balanço, um no colo do outro, um nos olhos do outro, um no coração do outro, e viajam, cada um na sua, rumo ao desconhecido: todas as emoções, todos os medos, todos os sentimentos, nenhuma palavra, nenhuma poesia traduz aquilo: aquilo é intraduzível...

-oi, pai, acorda pai, tá sonhando ou tendo pesadelo? Tá roncando, tá se virando aí no sofá, olha tô saindo prá uma festa, só volto de manhã- me faz uma massagem aqui nas costas? Tô com uma dor danada nos ombros...

E o pai acorda, assustado- tinha viajado no tempo- esse pai menino de ontem, sonhando com o pai que se fora e com a mãe jovem, que o ninava nos tempos perdidos no tempo, com as antigas cantigas do pai.
E enquanto massageia as costas do filho vai cantando, em silêncio, as musguinhas de pai, e no final, ainda repete, em voz alta, prá espanto do filho:

-“balão passa, né pai?”