terça-feira, 14 de dezembro de 2010

um outro blues


imagem: DailyPic/Flickr

A paisagem se desdobra à minha frente
feita de brilhos e barulhos matinais.
Mas não me importo. Não me interessam
estas mornas tardes outonais.
Em meu peito chove. Rugem vendavais.

ela não. sente-se sozinha senta-se no vão da escada e começa a pensar. pensar.
“Eu me perco na minha própria perdição. Ando muito desligada, buscando trilhas, maravilhas e não vejo a vida que corre ao meu lado, cobrando, cobrando, feito cobra serpenteando ora fria ora quente o bote armado... Nada me importa e a viagem não tem fim. Fui. Fim. “

Ela lembra os velhos filmes e os desgarrados personagens de Nazarin e os figurantes do banquete dos mendigos. Putas, abandonados, cães vadios saídos dos becos de Brecht, gente sofredora que desfila por seus olhos pedindo uma chance de se mostrar, de se revelar, de poder soltar os seus clamores.


Ele deitado. Na cama um tédio sem remédio.
Ontem foi sexta e ele só chegou no sábado noite selvagem sexo sexo sexo foi amor foi paixão?
Não, foi só tesão , desejo de outro corpo, desejo estimulado pela mídia e pelo vício álcool na veia paraísos artificiais que luta o que é que eu busco
afinal onde é que eu vou para que estou aqui?
São tantas e tontas perguntas e a vida corre,
sorry. a vida corre, a noite escorre, o mundo é um grande porre,
cadê as adocicadas lovistoris onde é que eu entro nesta história?
Cansei, dancei.nem sei.
Penso e vomito meus medos escarro meus medos e meus medos me invadem
e se materializam e voam, soltos nos ares, feito vampiros feito nosferatus desiludidos e desesperados
querendo sangue mas muito mais que sangue querendo afetos
e afoitos se desintegram aos primeiros raios de sol
e aos mínimos sinais de carinhos ou caricias em suas faces túrgidas
e lívidas de habitantes da noite.
caralho, que pesadelos são estes que agora me atormentam?


Ela no vão da escada. Ele, deitado na cama, em seu tédio sem remédio,
ouvindo canções que não se usa mais,
valsas vienenses, bosques de imperadores, se esta rua fosse minha porra,
eu mandava te buscar... foda-se, eu quero e gosto das canções antigas...
ah, que tédio estes baticuns de hoje em dia....

ela se levanta do vão da escada, borra boca de baton. Vermelho vivo, como a vontade de se entregar ao primeiro cara que encontrar pela rua. Ela se levanta e vai ao encontro do inesperado. Quem? Ele, o cara do tédio sem remédio, das músicas que não se ouve mais do sexo selvagem que não tem a ver com paixão e com amor?
Ele mesmo.
Ele, a esmo,
sai da cama e se veste, feito um robô.mudo.
Bota a bermuda. A cena muda.

Um encontro romântico nos bosques de Viena ao som de strauss longos vetidos brancos rodopiando sonhos
enquanto vampiros negros nosferatus e dráculas sobrevoam os salões guardiões do cara do tédio.
Ele. Ela. Eles. E daí?
Daí, há de sair alguma coisa de concreto sangrando a cena,
alguma carícia mais afoita, uma noite de prazer,
duas ou três noites de trepadas, sim, e daí?
A vida é só isso aí?
Onde ficam os sonhos, os devaneios, as buscas, a esperança, a estrada de tijolos amarelos e os castelos de sissi e o palácio de esmeraldas e os poderes do anel?
Onde os poetas podem colocar seus versos e seus segredos
se não perdurarem sonhos e paragens outras, além, muito além?
ondde os poemas estendidos nos varais
dos quintais
prenunciando galos e autoras?
Não podem.
Ele. Ela. Eles.
E ávida a vida é assim. Seca.
Nua. Crua.
assim.

2 comentários:

Cosmunicando disse...

a vida ávida, crua, se insiNUA neste seu blues que é extremamente visual, dan... vejo a cena, vejo o vão da escada enquanto rola um sax ao fundo, mas sobretudo fere a melancolia tão bem posta e composta por você.
maravilha, poeta!
beijos

Adriana Godoy disse...

Nossa, Danilo, e que blues!!

Acabei de ler e as imagens ficam, as palvras invadem, o ritmo, o sexo, pura poesia.

Amei.
Beijo